Dezembro chegou e trouxe um tsunami para a minha vida. Foi um mês caótico, e não por bons motivos (nada diretamente relacionado comigo, mas que afetou muito o meu trabalho e me fez ter de me virar do avesso para chegar a todo o lado). É sempre um mês intenso, mas este ano foi outro nível. Mas passou.
[Tudo passa.]
Também foi o mês da espera. Entreguei o livro no dia 1 e esperei. A minha editora, a maravilhosa Marta Miranda, leu-o num dia e meio (por amor da santa… demorei nove meses a escrevê-lo e ela lê-o com olhos de lince num dia e meio…) e enviou-me os comentários dela, que eu resolvi muito rapidamente também.
[Já vos disse que este é definitivamente o meu método preferido? Escrever bocados e mandar e esperar e continuar a escrever e tornar a mandar acaba por ser muito menos benéfico para mim, mas cada escritor funciona à sua maneira. A minha é escrever tudo e esperar.]
No final, parei para pensar nas lições que trago deste processo. São sete. Valem o que valem, são fruto de um caminho que é sempre solitário, apesar dos diversos (e fundamentais!) apoios. E foi muito interessante fazer este exercício de me distanciar um bocadinho do livro, de o deixar respirar sozinho, de ver durante quanto tempo a história continuaria a caminhar comigo (bem sei que sou suspeita, que vivi dentro dele uma gestação inteira e que fui eu que o escrevi, mas a verdade é que aquilo ainda aqui está. As personagens, os sítios, as cenas, as dinâmicas, os diálogos — continua tudo comigo como se tivesse acabado de ler.
Deixo-te então o resumo do que aprendi com estes nove meses de escrita. E se fores dos que quer explorar isto de escrever uma coisa longa, e se sentires que houve qualquer coisa que não ficou clara ou que há perguntas, por favor, fá-las. Escreve-me, manda uma mensagem, deixa um comentário. O meu Instagram é uma casa cuja porta está sempre aberta a quem vem por bem.
Escrever todos os dias
Pois. Demorou, mas habituei-me a isto e agora, que estou mais parada (embora tenha tido mais uma ideia no di em que entreguei este romance, e tenha começado imediatamente a escrever), sinto mesmo falta de me sentar diariamente a escrever. Nem sempre consegui escrever páginas a fio, mas mesmo que o resultado tenha sido só meia dúzia de linhas, a verdade é que a esta é uma engrenagem que continua em movimento.
O poder da estrutura
Escrever sem rumo é giro, somos livres, seja o que Deus quiser, depois logo ajeito as coisas e uno as pontas e faço as peças encaixarem, mas, para mim, não funciona. Preciso de saber a quantas ando, para onde vou. É como se, mesmo sabendo o caminho, precisasse sempre do Waze para chegar mais depressa aos sítios.
Eu não conheço as personagens
Pois, porque elas, matreiras, têm camadas e escondem-se e só mostram bocados e fazem coisas que eu não pensei que elas fossem capazes de fazer. À medida que vou escrevendo, acontece muita coisa que não estava planeada. Esta história tinha um esqueleto pensado inicialmente, eu sabia que queria escrever sobre determinados temas, abordar a coisa de um determinado ponto de vista, mas depois a personagem abre uma porta ou dá uma resposta torta e não aparece à hora combinada e está tudo embrulhado. E como não sou eu que mando mas sim elas, acabo por lhes fazer a vontade e por mostrá-las como elas são e não como eu pensei que seriam. Resultado: o final do livro não é o que eu imaginei. (E eu gosto muito mais de como tudo acabou, na verdade!)
Eu sou apenas a ferramenta que a história usa para se revelar
E tento intervir o mínimo possível. É complicado explicar isto, porque a maioria dos leitores acredita que nós dominamos completamente o que estamos a fazer. Aposto que se perguntarem a mais uma mão cheia de escritores se vão surpreender com as respostas. Parece que a coisa ganha vida própria à medida que a trazemos cá para fora. E isto é incrível, mas implica que tenhamos alguma capacidade de deixar ir. A ideia que tinha inicialmente era uma, depois desviou e está tudo bem. Já há muitos anos que pratico a arte do desapego com o que escrevo e cada vez me preocupo menos com o que acabo por não escrever.
Contar palavras
Bem sei que há escritores que não entendem a obsessão de outros escritores com a contagem de palavras. Eu explico: saber que preciso de X palavras para ter um livro com a dimensão que eu quero ajuda-me a organizar a escrita e a não achar que está tudo bem quando só faltam três horas para eu entregar o texto e eu ainda só estou com 1/3 do livro escrito. A contagem de palavras serve de motivação, de organização. Nem sempre escrevo tanto quanto gostaria e está tudo certo, mas ter uma ideia de números acaba por me ajudar a saber a quantas ano e a não me perder.
Ler. Ler. Ler. Ler.
Não há bons escritores que não sejam leitores vorazes. Ah, mas… Não. Não há, ponto. A melhor maneira de evoluir na escrita é lendo outros (de preferência, melhores do que nós). Aprendo imenso com os livros que leio (embora também leia muita porcaria só para desenjoar, para passar o tempo, para não pensar noutras coisas), sou cada vez mais criteriosa com os autores que leio e há uns que, para mim, serão sempre imperdíveis. Quem? João Tordo, João Pinto Coelho, Alice Feeney, Gillian Flynn, Ken Follett, Leila Slimani, Tatiana Salem Levy, Carla Madeira. E mais uns quantos. Mas não leio apenas «alta literatura», às vezes só me apetece mesmo uma coisinha leve para fazer fluir o ar.
O tempo que gasto a ler não é tempo desperdiçado
Padeço do mal moderno que é não me sentir muito confortável a fazer nada que seja puro descanso. Fico sempre com a sensação de que não estou a ser produtiva, de que podia estar a fazer isto ou aquilo (a roupa por passar, a casa por destralhar, coisas para organizar na cozinha, lavar janelas, tanta coisa). Tenho feito um esforço consciente para retirar da equação a culpa. Sim, às vezes estou só a existir. E se estiver a existir com um livro nas mãos (mesmo que tenha roupa por engomar), então o tempo não é mal aproveitado. Porque estou a aprender qualquer coisa (às vezes só como não quero fazer as coisas), estou a viajar para mundos que não são os meus e aos quais nunca tinha visto a porta, ou estou simplesmente a limpar a cabeça do que me pesa no dia a dia (o trabalho, as pessoas, os enguiços, as divergências, o ruído, o ruído, sempre o ruído. E, para mim, a leitura é o maior dos elogios a uma coisa que prezo imenso: o silêncio. Sempre o silêncio.
Que gostoso ler sua organização quando tô planejando a minha. Obrigada!
Que lindo isto tudo. Obrigada.