[Aviso: este post requer mente aberta e ausência de preconceito. Só o facto de eu sentir que preciso de dizer isto já me leva a pensar que talvez seja preciso fazer algum trabalho aqui…]
2018.
Depois de anos a admirar ao longe quem sabia dançar kizomba, a senhora dona melhor amiga desafiou-me a inscrevermo-nos nas aulas que havia no ginásio que frequentávamos à época. Alinhei. Como não?
Nesse ano, fiz quilómetros a dançar. Passei horas a ver atuações de bailarinos fabulosos no YouTube. Invejei técnicas e talentos. Dancei. E dancei. E dancei. Completamente apaixonada por aquilo: pela exigência, pela ginga, por tudo.
(Sim, é preciso saber escolher os ambientes. Mas um mês bastou para perceber o que fazer e o que não fazer, onde ir e onde não ir. E não, não é tudo decadente nem manhoso - longe disso.)
Nessa altura, fiz uma listinha com os bailarinos com quem gostava de dançar um dia, uma espécie de “adorava um dia estar à altura disto”. Nove bailarinos, cinco estrangeiros, quatro portugueses. Todos muito, muito talentosos, todos exímios na arte de fazer brilhar as mulheres com quem dançam.
Comecei a riscar nomes da lista: workshops com quatro deles, uma saída de casa num dia em que não me dava jeito nenhum só para tentar dançar com outro, um acaso feliz numa saída daquelas onde vamos sem expectativas nenhumas. Seis nomes cumpridos. Aprendi imenso nestas interações que, obviamente, foram sempre muito (demasiado) breves. Aproveitei cada uma para reter informação, para ser desafiada, para tentar corresponder ao que me ia sendo “exigido”.
2020.
O mundo fecha. Um dos primeiros casos de Covid foi precisamente… o meu professor dessa altura.
Tudo para casa e intenção nenhuma de dançar nos tempos mais próximos. Mesmo quando as coisas começaram a reabrir, optei por não me expor. No meio do turbilhão que fora o final de 2019 e o ano de 2020 inteiro, não me senti nem com força nem com vontade para voltar a sair da minha bolha.
2022.
Andei a marinar a ideia durante meses. Queria muito voltar a dançar.
Procurei uma escola que me ficasse em caminho, perto de casa ou do trabalho. Encontrei e fui experimentar. Senti como se tivesse tido ar preso nos pulmões durante dois anos e o pudesse finalmente soltar.
Dancei. E dancei. E dancei.
Bónus: o professor é um dos que já tinha riscado da lista. Mas voltar a dançar com ele foi maravilhoso. Acontece que, infelizmente, ele teve um acidente grave e foi obrigado a parar durante uns meses. Mas a professora (que é um portento) encontrou não um substituto, mas uma adição brutal. Quando vi quem vinha dar continuidade ao trabalho que estava a ser feito sorri. E risquei mais um nome da tal lista.
Ontem, numa aula que teve (graças a Deus!) muitos momentos de improviso, passei duas vezes por ele (nas aulas, os pares estão sempre a rodar). Sentir aquela leveza, aquela condução fabulosa que nos leva exatamente para onde temos de ir, perceber as subtilezas, comunicar sem falar, sem olhar, só com braços, pernas e core é qualquer coisa de fabuloso.
A kizomba é uma dança de comunicação. Ali é o homem que guia. Não é suposto as mulheres fazerem coisas sozinhas. A ideia é que os homens as conduzam e que elas respondam aos comandos. Uma mulher pode dançar maravilhosamente mas, se apanhar um homem que não saiba dançar, não vai salvar o momento. Por oposição, uma mulher pode não saber quase nada daquilo, mas, se apanhar um bom condutor, vai fazer coisas que nem imaginava que podia fazer.
Deixo-te o vídeo da demonstração que foi feita no fim de um workshop dado pelo senhor de quem falei agora mesmo (e pelo seu par, que é uma bailarina do caraças - provavelmente a melhor que temos cá). Obviamente, há ali anos de trabalho conjunto. Eles sabem exatamente o que vão fazer, não há grande probabilidade de falha. Mas o mais incrível é que ele consegue pôr pessoas com quem dançou meia dúzia de minutos na vida a fazerem algumas das coisas que estão neste vídeo. Foi o que aconteceu ontem.
[Voltando ao início: sinto sempre uma necessidade absurda e, na verdade, absolutamente dispensável de me justificar quando o assunto é a kizomba. Como se uma pessoa não pudesse escrever livros e dançar. Como se uma pessoa tivesse de viver sempre num registo super intelectual e não pudesse ser mais nada. Eu sou isto tudo. Sou escritora e amo dançar kizomba. Sou mãe e amo dançar kizomba. Sou mil coisas e nenhuma delas é incompatível com isto de amar dançar kizomba. Portanto, assumo que padeço aqui de um autopreconceito. E é por isso que sinto que devo desmontá-lo. E, portanto, é possível que fale do assunto mais vezes. Só não vou é pedir desculpas por isso. Porque, lá está, posso ser o que eu quiser. E tu também.]
👏🏻👏🏻👏🏻Sinto o mesmo quando falo sobre os meus gostos musicais. Como se ser mulher com 45 anos, mãe de filhos, professora não fosse compatível com algum estilo de música. Não, não me visto (só) de preto, não uso correntes, não fumo e nem ganhei coragem para fazer tatuagens. O máximo da loucura é ter três furos numa orelha! 😉 Mas gosto de música rock, punk, metal e afins... e ouço aos berros, abano a cabeça e curto muito. O resto? O resto são preconceitos!!!
Por isso dança, dança muito e aproveita! 👏🏻
Nunca tenhas vergonha ou receio de fazer aquilo que te faz feliz e não prejudica ninguém!
É tão necessário hoje em dia haver formas de equilíbrio mental e emocional! Desde a música popular à música clássica, desde a Kizomba ao Heavy Metal o que interessa é o que nos faz feliz, o que nos faz sentir emoções sejam elas boas ou más, mas q nos façam levar alguma coisa desta vida! E temos mesmo de nos permitir sentir mais e mais e sem preconceitos!
Dança muito Lénia! O que interessa é seres sempre feliz! ❤️