Se me segues há algum tempo sabes que sou filha de uma mulher que sobreviveu a um rebentamento de aneurisma cerebral.
A história: dia 24 de Agosto de 2014 a minha mãe fez 60 anos. Dia 30 rebentou-lhe um aneurisma cerebral. A coisa deu-se de manhã, ela desmaiou na casa-de-banho e acordou pouco tempo depois. Estava consciente, mas repetia as mesmas perguntas em loop.
Eu estava a preparar-me para um piquenique com os miúdos e a minha filha, na altura com 6 anos, decidiu ligar para casa dos avós, pouco depois das onze ada manhã. Atendeu-a o meu pai, que a mandou passar-me o telefone rapidamente. Contou-me o que se tinha passado e, nem 10 minutos depois, eu estava lá em casa, a chamar o INEM (sim, porque a senhora não queria ambulâncias e o meu pai fez-lhe a vontade - par de estalos nos dois e ainda era pouco!).
O INEM conseguiu perder-se numa rua a direito, demorou mais do que era suposto. Trâmites normais cumpridos e ala para o Amadora-Sintra. Cheguei lá primeiro do que a ambulância. Era cerca de meio-dia.
Entretanto, a minha mãe queixava de dores de cabeça insuportáveis e estava constantemente a desmaiar e a acordar. Tentaram dar-lhe um iogurte, que ela vomitou de imediato.
Por volta das quatro da tarde levam-na para fazer uma TAC, cujo resultado me foi comunicado por um médico (querido - NOT) que me disse que o caso era urgentíssimo e que me mandou despedir-me da minha mãe, porque era muito provável que não voltasse a vê-la.
Iam encaminhá-la para o S. Francisco Xavier, porque era lá que eram feitos os exames de neurologia. Perdemos-lhe o rasto aqui.
À noite, perto das dez, ligo para o S. Francisco e informam-me de que ela não está lá. Pânico. Depois lá me explicam que foi mandada para o Egas Moniz, para ser operada na manhã seguinte (se aguentasse até lá).
De manhã, deviam ser umas oito horas, o meu pai ligou-me a dizer que ela ia ser operada, a operação devia demorar cerca de quatro horas e que depois diriam qualquer coisa.
Passei o resto da manhã deitada na cama a chorar, a rezar e a prometer que ia a pe a Fátima.
Às duas da tarde, liga-me o meu pai a dizer que ela já saiu da sala de operações, correu tudo bem e está no recobro. Fomos vê-la nessa tarde, ela estava a acordar da anestesia, foi o mais perto que a vi de estar bêbeda e até hoje ela não se lembra disto. Era domingo mas, para ela, aquele fim-de-semana não existiu: deitou-se sexta à noite e só se lembra de acordar na segunda-feira.
Esteve um mês nos cuidados intensivos, teve ocorrências que eram prováveis, mas muito indesejáveis, foi duas vezes ao bloco porque não parava de criar líquido cefalorraquidiano. Lá a deixaram passar para a enfermaria onde esteve mais uma semana.
Quando saiu, já quase a meio de Outubro, e me deram o relatório da alta, tive conhecimento de que havia um segundo aneurisma que não tinha rebentado, mas precisava de tratamento. Fartei-me de ligar para o hospital, até que consegui falar com uma médica, que me explicou que ele existia, mas não constituía perigo imediato, razão pela qual não lhe fizeram nada nas operações anteriores.
O relatório da alta desapareceu misteriosamente até Janeiro, altura em que fui com ela à consulta de seguimento. Nessa consulta, perguntei ao neurocirurgião o que ia ser feito com aquele segundo aneurisma - e foi aqui que a minha mãe percebeu porque é que o relatório da alta tinha estado desaparecido. Ia-me batendo ali mesmo, no consultório.
O médico explicou que ela teria de ser operada novamente, o aneurisma teria de ser clipado e isso seria feito durante um exame, uma angiografia. Tentou marcar isto para o dia do meu aniversário e a minha mãe pediu para não ser naquele dia, porque não queria correr o risco de morrer no dia de anos da única filha. Marcou-se para uma semana depois. Estamos, portanto, em Fevereiro de 2015.
Entretanto, uns 2 anos depois, ela voltou a fazer o exame, e estava tudo bem. O exame é para ser feito a cada dois anos. Chegamos a 2020, pandemia, teleconsultas e foi o que ela teve: um dos neurocirurgiões a ligar-lhe para a consultar e, teoricamente, para lhe passar a credencial para ela fazer mais uma angiografia. Haveria de receber a marcação em casa e no telefone. Nunca a recebeu.
2022, Maio. Vai ela ao Egas Moniz expor a situação: a credencial nunca chegou, as dores de cabeça dela são recorrentes e muito intensas. Sim, senhora, vamos tomar conta do caso e vai receber a marcação em casa e no telefone. Nunca a recebeu.
2022, Julho. Voltamos ao Egas Moniz, desta vez faço questão de ir para ver se consigo adiantar alguma coisa. Sim, senhora, vamos mesmo, mesmo tomar conta do caso, agora é que vai ser, vai receber a marcação em casa e no telefone. Adivinhas o que aconteceu? Nunca a recebeu.
2022, Setembro. A minha mãe vai a outra consulta de outra especialidade e o assunto vem à baila. A médica conhece o neurocirurgião e diz à minha mãe que ele faz serviço no privado. Aconselha-a a marcar uma consulta para lá, para tentar explicar a situação e ver se a coisa se desenrola.
Senhora mãe marca a consulta, sendo que não tem seguro de saúde. Vai pagar 101€. Atravesso-me. Eu tenho seguro, nesta consulta o médico não vai aceder a nada do SNS, portanto tanto faz a consulta estar em meu nome como em nome do Papa. 15€ é bastante diferente de 101€ e eu decido arriscar. O pior que podia acontecer era o médico recusar-se a atender-nos, dadas as circunstâncias. Foi um risco que me dispus a correr.
Vamos à consulta, explico imediatamente que a consulta nem é para mim, nem se refere a nada daquela clínica. Ele ri-se. Explico tudo. A meio da consulta, ele liga para uma das neurocirurgiãs que operou a minha mãe, pede-lhe que dê seguimento a isto com urgência. Ela diz que sim, senhora, vai tratar. Veremos.
Se no espaço de um mês não recebermos nada, adivinha onde vou. Ao privado, atrás da médica. Porque, aparentemente, se queremos resolver um assunto que devia ter sido tratado há mais de dois anos e que não é propriamente uma borbulha ou uma entorse, temos de nos mexer por outras vias. E isto é triste. Mas o que está aqui em causa é a vida da minha mãe e eu prefiro chatear-me a andar atrás de médicos no privado do que chatear-me com processos de negligência caso lhe acontecesse alguma coisa por falta de assistência.