Dou por mim a pensar nos pequenos acasos. Pequenos nadas que mudam o curso da vida. Que nos mudam. Que nos desviam do caminho e nos levam onde temos de ir. Que nos salvam. Que nos matam.
A ideia de que a vida é feita disto começa a corroer-me. Procuro identificar os momentos em que isto me aconteceu. Quais foram os pequenos gestos, os pequenos instantes, os detalhes que mudaram tudo para mim. Um pequeno acaso seguido de outro e de outro e de outro, num efeito cascata avassalador.
E a pergunta: quem seria eu sem estes pequenos acasos? Onde estaria? Seria mais ou menos feliz? O que teria ganhado e o que teria perdido? Quem seria eu se eu não fosse isto, esta soma dos pequenos nadas que se juntaram para formar um tsunami na minha vida?
No final do 9º ano, demorei a decidir entre Ciências e Humanidades. Tinha notas para seguir Ciências, pensei em seguir Medicina (com Psiquiatria ou Medicina Legal em vista), depois comecei a fazer contas aos anos que demoraria a tirar o curso e a minha pressa de me tornar independente falou mais alto. Seria psiquiatra ou faria autópsias? A verdade é que, mesmo tendo seguido outros caminhos, estas duas coisas continuam muito presentes na minha vida - nos livros que leio, nas séries que vejo, nos assuntos que mais me interessa estudar.
Tendo seguido Humanidades, escolhi Alemão em vez de Francês. Queria conhecer pessoas novas e todos os meus colegas dos anos anteriores que iam para a mesma área iam escolher Francês. Consegui o que queria: uma turma nova, cheia de gente que eu não conhecia. E consegui nunca me integrar, consegui três anos de bullying duro, consegui não fazer amigos ali. Os meus amigos continuavam a ser os do 9º ano e, ainda hoje, as únicas pessoas do secundário com quem tenho contacto são deste grupo. Ter passado por isto endureceu-me a carapaça, mas também me gerou problemas que eu não tinha antes.
Foi também esta escolha que me pôs no caminho um namorado possessivo, manipulador e violento. Era irmão de uma colega de turma e tivesse eu seguido Francês e nunca o teria conhecido.
No final do 12º ano, nova tomada de decisão. Queria ir para Psicologia (com o ramo Forense no horizonte - sempre me interessaram as mentes deturpadas, alteradas, fora da norma). O meu pai, perante uma filha única que tinha o sonho de trabalhar nesta área, e com a possibilidade de que isso a levasse a lidar com criminosos a sério, sugeriu que eu escolhesse outra coisa. Segui a sugestão dele e escolhi Publicidade e Marketing.
Na altura, a publicidade era das profissões mais bem pagas em Portugal. Quando saà da faculdade, quatro anos depois, isso já não era verdade. Ainda assim, trabalhei mais de 10 anos na área. E foi na faculdade que conheci o meu ex-marido. Tivesse eu seguido Psicologia e a minha história não se teria escrito assim.
Ter tido um blog com alguma audiência trouxe-me um evento onde me foi oferecido um voucher para um curso de cake design. Fiz o curso só mesmo porque tinha sido oferta. E, sem planear, estive três anos a trabalhar como cake designer. Nos últimos 9 meses de atividade, fiz 170 bolos. Sem folgas. Entrei em burnout.
Por ter precisado de parar acabei por decidir que era tempo de voltar ao mercado de trabalho tradicional. E encontrei emprego na empresa onde mais gostei de trabalhar até hoje. Foram quase 9 anos muito felizes. Trago amigos que hão de ficar. E foi mesmo amor. Ainda hoje tenho saudades dos meus tempos lá.
E por falar em blogs: em 2001, numa quinta-feira insuspeita, um colega de trabalho comprou a Visão, que espreitei na hora de almoço. Falava dos blogs, coisa que estava a aparecer em Portugal. Decidi criar um para experimentar. Foram os blogs que me trouxeram as minhas melhores amigas, ensinamentos para a vida e uma rede de pessoas que ainda hoje faz parte dos meus dias. Passaram mais de 23 anos.
Se olhar para a minha vida, vejo uma série de pequenos momentos que me trouxeram onde estou hoje. Trouxeram pessoas que estimo muito e outras que pagava para nunca ter conhecido. Cada instante destes encadeado no seguinte forma uma onda avassaladora. Quem seria eu sem isto? Onde estaria? Seria mais ou menos feliz?
Nunca saberei mas, caramba, como gostava de saber…
O que ando a ler
Hoje trago-te apenas um livro: A Origem dos Dias, de Miguel D’Alte.
A minha história com o Miguel é engraçada: quando lancei o meu livro, em 2021, eu e ele fazÃamos parte de um grupo de escritores (no WhatsApp). Na altura, ele perguntou-me que conselhos lhe dava para que também ele publicasse. Aconselhei-o a procurar um serviço de revisão antes de enviar o manuscrito e foi o que ele fez. A Catarina, da Lugar Incomum, reviu o texto dele, ele procurou editora e encontrou. Passaram 4 anos e este é o terceiro (!!!) romance dele. Entre o primeiro e o segundo mudou de editora, tem escrito a uma velocidade impressionante e…
… que maravilha que esta leitura está a ser! Estou muito no inÃcio (recebi o livro na semana passada, cortesia da parceria que tenho com a Penguin - mas tinha encomendado um exemplar na Wook e, não me lembrando disso, pedi-o à editora…), mas estou a gostar mesmo muito.
A escrita do Miguel é madura, poética, consistente. Nada é superficial ou fácil. Nada está feito para facilitar a vida ao leitor. É literatura. Pura literatura. Não é um livro, é literatura. São coisas diferentes e o Miguel não cai na esparrela do facilitismo, nem da pressa, nem da superficialidade. Há na escrita dele uma profundidade que é sofisticação pura e não há muitos como ele, atualmente.
É isto que vai fazer dele um dos grandes da geração dele. Não é um escritor leve, nem suave, nem pop. É um escritor. E vai brilhar muito. MerecidÃssimo, penso.
Houve uma altura em que pensava muito nisso. Mas desde há uns anos que estou em processo de aceitar o que a vida me entrega e isso deixou de rondar a minha cabeça. Nunca vamos saber e, se calhar, ainda bem. Também estive quase a ir para Psicologia, porque sempre quis perceber melhor a cabeça das pessoas. Também acabei no Marketing :) Hoje, tenho um podcast com uma psicóloga forense. Acho que, de alguma maneira, a Psicologia veio ter comigo. Como seria se tivesse tomado decisões diferentes em momentos crucias (e noutros, aparentemente, não tão cruciais)? Seria diferente. Ou talvez desse uma outra volta para me encontrar no mesmo sÃtio ;)
Que bom que é cruzar-me com textos deste género, reflexos de muitos pensamentos que me atravessam a cabeça. Penso muito nos pequenos acasos da minha vida. Ainda só tenho 26, mas sinto que por meio da ansiedade, do acaso, ou de ambos, já vivi situações que me ensinaram a manter -me fiel a mim mesma, independentemente de tudo. Não há nada mais doloroso do que chegar ao final do dia, colocar a cabeça na almofada e sentir um vazio pelas dores de determinadas decisões, sobretudo quando influenciadas pela opinião dos outros.
Tenho aprendido que quando algo é nosso, a vida funciona com leveza. É certo que sempre lidaremos com problemas, porém, até com isso aprendemos a fazer as pazes. As soluções vão surgindo, o nosso cÃrculos de pessoas sofre alterações para melhor, o nosso coração palpita em redor de uma alegria genuÃna....
Folgo em saber que apesar de tudo, estás num lugar mais tranquilo. Os teus pequenos acasos foram grandes lições da vida, espero que já tenhas feito as pazes com grande parte deles!
Beijinhos!