Tenho andado meio desaparecida por conta de um prazo para cumprir. E tenho aprendido imensas coisas sobre mim neste processo de gato e rato em que sou presa e caçador.
Criei manias. Na verdade, criei esconderijos. Dou por mim a entender os mecanismos que me servem de refúgio quando estou com um bloqueio que me impede de escrever. Preciso de música — da banda sonora que criei para esta história — e, sem isso, não me sai nada. Escrevo melhor no quarto, fechada, com os dois candeeiros pequenos acesos. E com um chá. Sem isto não corre tão bem. Mas será que não? A verdade é que não sei. Tenho-me refugiado nestas coisas e não sei o que aconteceria sem elas. Acabam por ser desculpas no sentido em que me escudo nisto para não tentar fazer diferente.
Já percebi como quero escrever o próximo livro. E percebi que consigo escrever um livro em cinco ou seis meses. Consistência. Disciplina. Hábito. Escrever todos os dias. E quando não escrevo (porque aconteceu qualquer coisa que inverteu a rotina) custa-me imenso voltar à cadência diária.
Este texto, por exemplo, está a ser escrito numa tentativa de recuperar o ritmo de dança dos dedos sobre as teclas. Estive três dias sem escrever. Preciso de recuperar e esta semana vai exigir ainda mais palavras adicionadas ao texto.
De hoje a duas semanas entrego o manuscrito. E tenho a certeza de que vou conseguir terminá-lo. Paradoxal, não é? Mas é isto. Sei que vou conseguir terminar (e também estou a contar com uma noitada na véspera, claro. Como nos bons velhos tempos de escola em que se faziam os trabalhos horas antes de termos de os entregar, sendo que tínhamos tido semanas para os fazer).
Quando o processo de escrita desde segundo livro estiver terminado preciso de umas férias. Ainda vai demorar, porque depois de entregar o manuscrito chegarão os comentários da editora, depois trabalharei sobre eles, depois virão mais comentários e depois a revisão linguística e só quando essa fase estiver terminada e o livro estiver fechado é que darei o processo por encerrado. Mas vou tirar duas ou três semanas de férias da escrita, permitir-me não pensar em obrigações (que não são obrigações, ninguém me obriga a escrever, bem entendido).
Descobri que sou capaz de escrever todos os dias (ou quase). Ou seja, consigo arranjar uma ou duas horas por dia para me sentar e escrever. Claro que há outras áreas que sofrem com isso mas é a vida — ando a ir menos ao ginásio, não ando a combinar nada com ninguém. Tenho escrito à hora de almoço no trabalho (a carteira agradece, nas últimas semanas levei quase sempre comida de casa), depois chego a casa ao final da tarde e sento-me a escrever e, se não tiver conseguido escrever a quantidade que queria, sento-me mais um bocado ao serão. Achei que não ia ser capaz desta disciplina, mas cá estamos.
Ando sem paciência para muita coisa mas recuperei uma aprendizagem ancestral e tenho-me dedicado a ela quando não estou a fazer outras coisas: crochet. Ando a acabar uma manta que comecei em 2011 e comecei a fazer um casaco que espero acabar antes do final do ano. Sabe-me bem esvaziar a cabeça assim, com uma linha e uma agulha.
Sinto-me sempre a avó com estas coisas. Sei fazer crochet, tricot e ponto-cruz e são coisas que gosto mesmo muito de fazer. E sinto-me sempre julgada por isso, como se fosse uma coisa absolutamente «brega» e antiquada. E talvez seja. Mas a verdade é que não me sinto confortável em fazer nada disto em público (e longe vão os tempos em que ia com um grupo de amigas fazer tricot para um bar irlandês no Cais do Sodré. Sim, isto aconteceu. Parece que foi noutra vida. Não foi.
Tento fazer um esforço consciente para fazer o que me dá gosto independentemente do que os outros possam pensar. Nem sempre é fácil. Mas é um processo. Estou a ir. Um dia eu chego lá.
Toma consciência de todos estes processos tem sido terapêutico. Sinto que perdi a minha voz ao longo dos anos. Em adolescente, era cheia de pêlo na venta e de opiniões, refilava, batia-me pelas minhas crenças e não deixava que me pisassem. Depois cresci. Passei por umas quantas pessoas e situações tóxicas pelo caminho e acabei a calar-me. É raro fincar pé hoje em dia. É raro dizer abertamente que quero ou não quero alguma coisa. É raro sentir que posso fazê-lo sem que isso ameace as minhas estruturas. Neste sentido, gostava de ser mais como a Lénia do início dos anos 2000. Nada me fazia desviar do que eu queria. E o mais engraçado é que eu tenho consciência das vezes em que me calo, em que acato coisas que há vinte anos nem me passaria pela cabeça acatar.
Às vezes mudamos. Nem sempre é para melhor.
Não há nada de brega em croché ou manualidades. Creio que saberes assim são preciosos e dane-se quem não concorda. 🌸 Que venha o livro (e as férias)
O ponto 10 podia ter sido eu a escrever. Tal e qual o que se passa comigo.
Quanto a Crochet ser de avozinha, eu faço costura criativa e também sinto muito isso. Já nem ligo, se me faz sentir bem e abstrair dos problemas é o que interessa!